O surfe brasileiro é santista, isso não se questiona mais. Foi nas águas de Santos que as primeiras ondas foram dropadas, no Brasil, no verão de 1937 e 1938, mais precisamente na Praia do Boqueirão.
Aliás, Santos é uma cidade esportiva por mérito – conhecida como a mais esportiva do Brasil. Em 2022, pela terceira vez em quatro edições, a cidade sagrou-se campeã do Top Destinos Turísticos, premiação criada pela Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil – ADVB e Associação Mundial dos Profissionais de Viagens e Turismo – Skal Internacional São Paulo.
Ao todo, concorreram 130 cidades em 17 categorias. Santos chegou à final da categoria com as cidades de Boituva e Praia Grande.
Mas, voltando ao surfe, o pioneiro foi o norte-americano radicado em Santos, Thomas Rittscher Junior, então com 20 anos, atleta de várias modalidades no clube Saldanha da Gama. Rittscher ganhou do pai, um importante comerciante de café, recém-chegado dos Estados Unidos, uma edição da revista ‘Popular Mechanics’, que trazia um artigo de Tom Blake, uma das lendas mundiais do surfe. No artigo, Blake ensinava como construir a prancha que levava a sua marca pessoal, invenção que popularizou o surfe em todo o mundo.
Rittscher, então, montou sua prancha ‘Blake’ e se jogou nas ondinhas da baía de Santos, inaugurando em águas santistas um dos esportes mais queridos dos brasileiros, hoje em dia.
Outros pioneiros
Na mesma época, três amigos santistas, Osmar Gonçalves, Juá Haffers e Silvio Manzoni, aliás, o trio que por muito tempo foi considerado ‘os pioneiros do surfe no Brasil’, também entraram para a história do surfe nacional. Aliás, na cidade, Osmar Gonçalves é cultuado como pioneiro do surfe, com uma estátua, no Posto 2, junto do Monumento ao Surfista, onde também está a Escola Pública de Surf.
Como Rittscher trocava de esportes com frequência, também abandonou o surfe, enquanto o trio se manteve no esporte. Por isso, o mérito de primeiros surfistas brasileiros ficou com o trio de amigos santistas.
O clã Salazar
Uma das maiores lendas brasileiras do surfe também é de Santos, e traz outros de seu clã para a notoriedade. Picuruta Salazar coleciona, nada menos, que 169 títulos mundiais (apenas primeiro lugar), além de ter sido consagrado dez vezes campeão brasileiro, três vezes campeão mundial de longboard profissional, campeão mundial do ISA World Surfing Games (considerada a Olimpíada do Surf) e campeão mundial de pranchinha.
Mas não só de Picuruta se fez o surfe na família Salazar. O filho, Leco Salazar, chegou ao vice-campeonato mundial em 2011 no estilo Stand Up Paddle; e o irmão, Almir Salazar, se destacou no mundo do surfe como o melhor shaper profissional (fabricante de pranchas) e chegou a conquistar alguns títulos, incluindo um vice-campeonato europeu.
A primeira escola pública de surfe do mundo
Santos tem a primeira escola pública de surfe do mundo, inaugurada em 1991, portanto, hoje, com 30 anos, a Escola Radical.
Com aulas gratuitas, o projeto já atendeu mais de 31 mil pessoas e hoje tem cerca de 500 alunos de todas as idades nas aulas de surfe e bodyboard, inclusive com aulas para alunos com deficiências diversas.
Coordenada pelo também surfista santista e também multicampeão mundial, Cisco Araña, a Escola Radical foi responsável por formar o primeiro surfista cego do Brasil, Valdemir Pereira, graças à dedicação de Cisco, que se empenhou em projetar uma prancha especial para Val.
Mulheres no surfe
A primeira mulher santista no surfe foi também uma das pioneiras do esporte no Brasil. Margot Rittscher, irmã de Thomas, se iniciou nas ondas ao ver o irmão ‘brincando’ com a prancha nas praias da cidade. Acabou se tornando a primeira mulher surfista do Brasil.
Mas a cidade tem uma referência feminina no esporte bem recente: Isabela Panza, longboarder, que não é santista, mas sempre frequentou as praias de Santos e se mudou para o município em 2004.
Isa conta que, quando chegou na cidade tinha uma ‘pranchinha’ do shaper Almir Salazar, sua primeira prancha da vida, e foi com ela que se jogou nas “ondas perfeitas” do Quebra-Mar.
Natural de Capivari, interior de São Paulo, o sonho de Isabela era morar na praia. Começou a surfar em Cabo Frio, no Rio de Janeiro, com uma bodyboard que ganhou quando os pais compraram uma sandália Melissinha, aos 7 anos de idade.
“Mais tarde, em Peruíbe, comecei o surfe de pranchinha e a evolução aconteceu em Itanhaém, quando minha família comprou um carrinho de raspadinha e vendíamos na Praia dos Sonhos”, relembra.
Para Isabela, que deu aula na Escola Municipal de Surfe por 15 anos, Santos tem uma estrutura ímpar para o desenvolvimento do surfe no Brasil, com destaque para o Quebra-Mar, com a torre de juízes e a arquibancada.
Ela, que também organiza eventos de surfe, em busca da valorização das mulheres no esporte, conta que no cenário feminino, Santos já foi palco de três campeonatos, com recorde de inscritas.
Em março de 2023, Isabela realizou a segunda edição do Festival Sul-americano de Longboard Feminino, no Quebra-Mar, com participação de mais de 100 competidoras do Brasil e de outros países.
“No passado era mais difícil, as premiações eram todas masculinas, não valorizavam a presença feminina no esporte. Hoje, acredito que as mulheres ocupam 50% do espaço no surfe, falando em longboard, pelo menos, que é o que eu mais domino”, celebra.